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Recuperação verde da economia brasileira: sim, nós podemos!

O cenário mais provável para tentativa de recuperação mais rápida da crise econômica, pela natureza do governo atual e seu compromisso explícito com a economia predatória do meio ambiente, será o de aumentar a dose dos mesmos “remédios” que nos trouxeram até aqui. Deve haver mais incentivos (de diferentes naturezas) a mais do mesmo.

O cenário menos provável, embora não impossível, é o de uma recuperação da nossa economia com incentivos a atividades econômicas menos intensivas em emissões de CO2, poluentes e consumo de energia e recursos naturais, na esteira do que alguns países europeus já começam a adotar.

O que é investir em mais do mesmo? Construção civil, exploração de petróleo, indústria automobilística, mineração em larga escala, agropecuária extensiva. Ou seja, a velha economia hegemônica que sobreviveu do milênio passado até hoje muito em função dos altos subsídios governamentais, seja em forma de crédito atrativo, investimento público em ciência e tecnologia, oferta de energia subsidiada, baixa carga tributária e muita desoneração ou renúncia tributária.

O que pode ser a Recuperação Verde (Green Recovery) da nossa economia? De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (veja a íntegra) 1,2 bilhões de empregos no mundo dependem de um meio ambiente saudável. A Organização Internacional do trabalho (OIT) afirma que 18 milhões de empregos podem ser criados até 2030, somente no setor de energias renováveis, na América Latina. Outros seis milhões de empregos podem ser criados na economia circular (com reciclagem de matérias primas, resíduos e energia).

Novas tecnologias para saneamento, reciclagem de resíduos, biotecnologia, novos sistemas produtivos agroflorestais, ecoturismo associado à conservação ambiental, agricultura orgânica e regenerativa, mecanismos de pagamentos por serviços ambientais. Esse cardápio é extenso e crescente. Estudos do Ministério do Turismo mostram por exemplo que para cada R$1 investido num parque, ele pode gerar até R$7 de movimentação econômica com ecoturismo na região de entorno.

O mesmo estudo do ICMBio aponta ainda que a procura por locais de preservação no Brasil gerou R$ 3,1 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 8,6 bilhões em vendas em 2017, que envolvem ramos como alimentação e hospedagem.

Um hectares de sistema agroflorestal em escala, além de captar carbono da atmosfera e aumentar a biodiversidade local, pode alcançar rentabilidade econômica superior a 200% ou mais em relação à rentabilidade da própria soja, embora com um pay-back um pouco maior (entre cinco a sete anos).

Documento oficial recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (veja a íntegra) organismo que o Brasil luta para fazer parte, afirma que na União Europeia, a bioeconomia (economia com alta tecnologia na transformação de recursos biológicos) já é um dos maiores e mais importantes componentes da economia da UE. Movimenta um volume de negócios anual de cerca de dois trilhões de euros (dos quais 18% contribuem com a agricultura e 46% com alimentos) e contribuem para aproximadamente 9% da força de trabalho (55% agricultura, 20% alimentos) e 80% do uso da terra.

Entretanto, o Brasil (acima de tudo) segue investindo no passado em velocidade incrível. E não é privilégio deste governo atual. Os anteriores também ofereceram inúmeros incentivos à “velha” economia.

Estudos demonstram que um volume substancial de recursos (da ordem de centenas de bilhões de reais) nos últimos 15 anos deixou de ser arrecadado pelo governo federal para ser investido anualmente em setores da economia altamente intensivos em uso de recursos naturais, emissões de poluentes e relevantes do ponto de vista do aumento de emissões de gases de efeito estufa.

Estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), por mim coordenado, publicado em 2014 (veja a íntegra) indicou evidências da pegada de carbono da política tributária brasileira no período entre 2007 e 2012. As medidas tributárias para conter a crise econômica a partir de 2008, como a redução das alíquotas da CIDE –Combustível e a renúncia do IPI automotivo, por exemplo, colaboraram substancialmente para o aumento do consumo de combustíveis fósseis e para o aumento da frota veicular promovendo, consequentemente, o aumento das emissões de GEE do setor.

Isso ajudou a alterar significativamente o quadro das emissões nacionais e também produziu um agravamento substancial dos problemas de imobilidade urbana, poluição e violência no trânsito, em boa medida colocando em risco o sucesso de políticas importantes do próprio governo federal, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (aprovada pela Lei Federal 12.587 de janeiro de 2012).

Estudo mais recentes do Inesc (veja íntegra), por exemplo, nos lembra que em dezembro de 2017 o Congresso Nacional aprovou uma medida provisória (MP Nº 795/2017), convertida na Lei N° 13.586 de 2017. Essa nova lei criou um novo regime de tributação para o setor de petróleo, consolidando isenções já instituídas e permitindo ampla redução da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Os subsídios totais aos combustíveis fósseis foram estimados pelo Inesc, no estudo acima referido, em torno de 1 trilhão de reais em 20 anos.

O Instituto Escolhas publicou em 2019 estudo (leia a íntegra) sobre os subsídios da cadeia da pecuária e apontou que entre 2008 e 2017 foram mais de R$123 bilhões em subsídios ao setor, entre incentivos federais (70%) e ICMS (30%). Os subsídios de acordo com o Escolhas representaram cerca de 78% do que foi arrecadado pelo setor no mesmo período.

Sabe-se que um tributo pode ter finalidade exclusivamente arrecadatória (fiscal), como é o caso do Imposto de Renda. Ou também finalidade (extrafiscal) de regular mercado, incentivar ou desincentivar atividades ou consumo de determinados produtos que causem externalidades negativas para a sociedade (como cigarros, bebida alcoólica, ou uso de venenos no solo).

Uma emenda constitucional (42) aprovada em 2003, estabeleceu no artigo 170 da Constituição Federal, uma diretriz principiológica para que a Ordem Econômica e Financeira Nacional considere a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

Portanto, nossa política tributária, econômica e financeira deve, de acordo com o artigo 170 da nossa Constituição Federal, buscar a “eficiência ambiental máxima possível”.

Tramitam na Câmara e no Senado além das PECs 45 e 110 de 2019, que tratam especificamente da reforma tributária, inúmeros projetos de lei tratando de incentivos a atividades econômicas verdes, sustentáveis ou amigáveis ao clima e ao meio ambiente.

Podemos sim, com boa vontade política e alguma inteligência estratégica (há nesse governo?), estruturar um plano de recuperação verde da nossa economia para superar a crise econômica pós-covid-19. Uma aceleração da transição da economia do século 19, altamente centrada na extração e exportação in natura de recursos naturais, para uma economia do século 21, altamente intensiva em uso de tecnologias aliadas ao uso sustentável de recursos naturais.

Sem anular a economia vigente é possível transitarmos gradual e progressivamente para uma nova economia, inclusive com ações voltadas a adaptação dos empregados das atuais atividades para os novos empregos sustentáveis emergentes. Países da Europa já sinalizam fortemente com essa perspectiva.

O jornal “The Guardian”, de alguns dias atrás, trouxe uma grande matéria (leia a íntegra) informando que a Europa está desenhando um plano de re-estabilização da economia considerando a emergência climática na sua espinha dorsal.

O plano da UE visa investir em setores de redução de emissões:

– 91 bilhões de euros por ano para eficiência energética doméstica e aquecimento verde;

– 25 bilhões de euros em energia renovável;

– 20 bilhões de euros em carros limpos por dois anos;

– mais 2 milhões de pontos de carregamento em cinco anos; e

– até € 60 bilhões serão destinados a trens de emissão zero e a produção de 1 milhão de toneladas de hidrogênio limpo está planejada.

Pelo menos um milhão de empregos verdes serão criados, com trabalhadores de indústrias poluidoras sendo ajudados a assumir novas funções, uma parte crítica do plano.

Em colaboração a esse debate, no Brasil, o IDS (instituição a qual pertenço como sócio fundador) promoveu no dia 28 de abril passado uma conferência remota com o economista Professor Bernard Appy, (conselheiro do Presidente Rodrigo Maia para a Reforma Tributária) para examinar as oportunidades de inserção de variáveis climáticas e ambientais no âmbito da Reforma Tributária.

Várias ideias e sugestões interessantes surgiram durante os debates que se seguiram à conferência, que contou com mais de 50 representantes de organizações da sociedade (membros do Observatório do Clima, Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, GT Infraestrutura da Amazônia, Frente Parlamentar Ambientalista, Rede de Advocacy Colaborativo além de associados e colaboradores do IDS).

Dentre as propostas citadas destacamos:

– emenda à PEC 45 (e 110) em tramitação na Câmara e no Senado, para garantir explicitamente um transição da política tributária atual para a economia carbono neutro, em um prazo a ser acordado (2050?);

– projeto de lei específico tratando de um tributo seletivo federal sobre bens e serviços geradores de externalidades ambientais como emissão de CO2, contaminação de solo por agrotóxicos, por exemplo;

– estabelecimento de diretrizes e limites para reduzir distorções alocativas causadas em função de incentivos subnacionais para instalação de indústrias distantes dos centros de consumo e portos de exportação;

– mecanismo de distribuição de receitas do imposto único (IBS/IVA) aos entes subnacionais de acordo com critérios socioambientais e climáticos;

– destinação de parte do imposto arrecadado a fundo de desenvolvimento regional para reduzir desigualdades regionais, com critérios de sustentabilidade para os investimentos;

– modernização/atualização dos parâmetros do ITR (imposto territorial rural) para incentivar o melhor uso sustentável das propriedade rurais;

– modernizar/fortalecer o ICMS ecológico por meio do IBS (IVA);

– investir em estudos sobre impactos de incentivos/desincentivos nos mercados e na competitividade das exportações brasileiras; e

– possibilidade de desoneração de outros tributos, como compensação pelo aumento de arrecadação com tributos ambientais (para não aumentar carga tributária total).

Pretendemos com apoio de profissionais de alto nível no campo da economia política e do direito constitucional apresentar propostas para a reforma tributária no rumo de uma recuperação verde da nossa economia.

Fonte: Congresso Em Foco

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