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Médicos alertam para riscos da Mina Guaíba à saúde

Médicos alertam para riscos da Mina Guaíba à saúde

O cardiologista Dr. Aluízio Achutti divulgou, neste domingo, um alerta urgente à população gaúcha sobre os impactos da Mina Guaíba. Resultado do III Seminário de Saúde Planetária de Porto Alegre e assinada pelos participantes do evento, a nota cita a ausência de Avaliação de Impacto à Saúde no estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) e cita graves doenças que podem atingir a população que vive no entorno da mina, como derrames, asma, demência, pneumonia, câncer, entre outras. Leia, a seguir, o texto completo do alerta.

NOTA DE ALERTA URGENTE À POPULAÇÃO:
sobre a Poluição da Mina Guaíba

O III Simpósio de Saúde Planetária de Porto Alegre propiciou palestras e debates públicos com renomados professores e especialistas internacionais em Saúde Ambiental das áreas da Justiça, Geologia, Medicina, e outros. Por consequência, julgamos imperativo tornar público as considerações:

a) Graves falhas na EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental) da Mina Guaíba, como:
I) Não inclusão do município de Porto Alegre na região de impacto ambiental indireto da mineração localizada a apenas 16 km do centro da cidade;
II) Subestimação na exposição dos reais custos sociais, ambientais e econômicos do projeto;
III) Não apresentar a composição química elementar do carvão mineral;
b) O risco de contaminação por metais pesados na água da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA);
c) O risco de emissão de “poeira fina” oriunda das explosões da mineração que poderiam aumentar a ocorrência de infartos do coração, “derrames” (AVCs), demência, asma, câncer de pulmão, pneumonia infantil, partos prematuros e baixo peso ao nascer, entre outras, e impactos nos atendimentos nas UBS, pronto atendimentos e hospitais;
d) A ausência de Avaliação de Impacto à Saúde (AIS) aos 4,3 milhões de habitantes da RMPA;
e) A proximidade perigosa ao Parque Estadual do Delta do Jacuí – “filtro” da água potável da RMPA;
f) A emergência climática;

Em face disso, alertamos para os graves riscos à saúde pela danosa poluição que resultaria do projeto da Mina Guaíba e Polo Carboquímico.

Os participantes do Simpósio também divulgaram um informativo direcionado à população:

Participantes do III Simpósio de Saúde Planetária de Porto Alegre

Quem é o Dr. Aluízio Achutti

Achutti é formado pela Faculdade de Medicina (Famed) da UFRGS. Foi professor visitante de centros ligados à Epidemiologia, Saúde do Adulto, Envelhecimento e Educação em Saúde em Londres, a convite do “British Council”. Entre os diversos prêmios recebidos estão: Primeiro Prêmio Nacional de Medicina e Saúde Pública, com a monografia “Avaliação de Cinco Anos do Projeto Fumo”, juntamente com Maria Helena Rosito e Ligia Kümel Louzada; Prêmio “Destaques Médicos 1988-1989”, conferido pela Associação Médica do Rio Grande do Sul, por serviços prestados à comunidade; Prêmio da Federação Mundial de Cardiologia (World Heart Federation) “World Cardiology Award”, recebido em 2002 em Sidney por ocasião da assembleia geral da instituição durante o Congresso Mundial de Cardiologia; e Prêmio Mário Rigatto Amrigs 2004, como personalidade atuante no controle do tabagismo.

Achutti também foi homenageado pela Sociedade Brasileira de Hipertensão durante seu XI Congresso realizado em Porto Alegre, em 2002, em razão de seu pioneirismo em Pesquisa Epidemiológica sobre Hipertensão Arterial no Brasil. Além disso, recebeu homenagem especial durante o 22º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia Pediátrica, como seu fundador juntamente com a médica Rachel Snitkowsky, em 1972.

O médico ainda foi membro do Grupo de Trabalho que elaborou o Projeto de Investigação sobre Prevenção da Febre Reumática em oito cidades da América Latina, sob o patrocínio da Organização Pan-Americana da Saúde, e foi responsável pela execução do projeto no Rio Grande do Sul e pelo relatório final de todo o projeto. Exerceu a coordenação geral do projeto de investigação “Vida e Morte de População do Rio Grande do Sul – A corte de 1978 revisitada”, e foi membro do Grupo de Trabalho que elaborou o projeto de investigação sobre Fatores de Risco em Sete Cidades da América Latina, sob o patrocínio da Organização Pan-Americana da Saúde, Programa Saúde do Adulto.

Desde 1986, Achutti é membro do Conselho Diretor da Unidade de Doenças Cardiovasculares da Organização Mundial da Saúde. Também integrou o Painel Científico da Sociedade Internacional e Federação de Cardiologia (atualmente World Heart Federation), na posição de “Chairman” do Comité de Prevenção da Febre Reumática e Doença Reumática do Coração de 1989 a 2000 e novamente em 2001. Foi consultor temporário da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde em diversas oportunidades, relacionadas com projetos de investigação e intervenção populacional, quase sempre ligados à saúde do adulto e/ou doenças cardiovasculares, e criador do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio. Membro do Painel Assessor Internacional do ProCOR, fundado pelo Professor Bernard Lown (Prêmio Nobel de 1985), Aloyzio Achutti tem mais de cem trabalhos publicados na área de Medicina.

CARVÃO AQUI NÃO
Diga não ao carvão! Assine nossa petição:
https://campanhas.arayara.org/carvaoaquinao

Pesquisas comprovam que a mineração de carvão não entrega o milagre econômico que promete

No artigo “A Questão Mineral e os Índices do IDH-M e desigualdade (GINI) nos estados do Pará e Minas Gerais: uma abordagem comparativa”, os pesquisadores Loyslene de Freitas Mota e Tiago Soares Barcelos, engenheira civil e Doutor em Geografia Humana respectivamente, destacam que a atividade minerária não vem apresentando melhoras significativas para as cidades onde há exploração e para as populações que vivem no seu entorno, “apresentando alta externalidade negativa e criando uma economia de enclave que este setor apresenta nos municípios estudados”.

No mesmo sentido, a pesquisadora Heloísa Pinna Bernardo, Doutora em Contabilidade e Mestra em Controladoria e Contabilidade, constatou, entre outras coisas: geração de subempregos e má distribuição de renda. Além disso, segundo Heloísa, as taxas de crescimento das regiões de base mineral são inferiores às das regiões nas quais a mineração é inexpressiva.

Mina Guaíba

Nas cidades de Charqueadas e Eldorado do Sul, que ficam na região metropolitana de Porto Alegre, um desses projetos gigantescos e que se apresentam como a salvação da economia das cidades do entorno da região – e até mesmo do estado – é a Mina Guaíba, de responsabilidade da Copelmi.

Nesse caso, específico, porém, a vida dos mineradores não deve ser fácil. O Instituto Arayara, em parceria com a Associação Indígena Poty Guarani e com a Colônia de Pescadores Z5, protocolou duas Ações Civis Públicas pedindo a suspensão do processo de licenciamento da mina. O MPF recomentou à Justiça que acate o pedido da ACP e suspenda o licenciamento de forma imediata.

“O parecer do MPF reforça o que temos denunciado sobre a Mina Guaíba: a legislação não foi respeitada. Isso por si só já seria uma condicionante para anulação total do processo de licenciamento ambiental. Mas além disso, o EIA/RIMA que a empresa apresentou contém inúmeras falhas e omissões graves. Temos diversos pareces técnicos apontando as falhas e, assim, esperamos que a FEPAM, que tem em seu quadro de analistas profissionais gabaritados, não conceda nenhuma licença à empresa”, afirma Renan Andrade Pereira, organizador do Programa Fé, Paz e Clima da 350.org, no Brasil.

Pereira destaca, ainda, que já se deparou com inúmeros casos similares ao dos gaúchos em diferentes lugares do Brasil. “Nasci em Minas Gerais e tive a oportunidade de percorrer o Brasil vendo de perto diversos crimes ambientais. Acabei conhecendo muitas comunidades atingidas pelo setor da mineração. A história é sempre a mesma: eles prometem emprego, qualidade de vida, desenvolvimento, prosperidade… mas eles trabalham, na verdade, com um tripé nada sustentável: violação dos direitos humanos; violação dos direitos ambientais; e violação dos direitos trabalhistas. É desse jeito em Minas Gerais, em Santa Catarina, no Maranhão, no Espírito Santo e no Piauí. No Rio Grande do Sul é igual. Na Mina Guaíba vai ser igual se ela for licenciada, basta ver a forma como a empresa quer licenciar o empreendimento, violando direitos antes mesmo de começar a operar”, diz o Especialista em Gestão Ambiental.

MPF dá parecer favorável à suspensão imediata do licenciamento da Mina Guaíba

O Ministério Público Federal, através do Procurador da República, Pedro Nicolau Moura Sacco, manifestou-se favoravelmente ao pedido de suspensão imediata do processo de licenciamento da Mina Guaíba, requerido à Justiça Federal através de uma Ação Civil Pública (ACP) assinada pelo Instituto Arayara em parceria com Associação Indígena Poty Guarani, em outubro de 2019.

O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do projeto ignorou a presença de aldeias indígenas na área diretamente afetada pela Mina Guaíba. O erro foi cometido tanto pelo órgão ambiental licenciador, Fepam, quanto pelo empreendedor, Copelmi. A legislação vigente é muito clara e objetiva: os licenciamentos devem ter consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e tradicionais. No caso da Mina Guaíba, foram excluídos os indígenas da Associação Indígena Poty Guarani, a Aldeia (TeKoá) Guajayvi.

O MPF questionou a FUNAI sobre o processo de licenciamento e a autarquia afirmou que não foi consultada nem pela Fepam, nem pela Copelmi; e afirma, ainda, que tomou conhecimento do empreendimento através de ofícios encaminhados pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI) e pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul.

Diz o Procurador: “Sem qualquer contato com os indígenas, tampouco houve algum movimento por parte da FEPAM e da Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e tribais”.

Ações civis públicas pedem suspensão do licenciamento da Mina Guaíba

Sacco também questionou a Fepam sobre os procedimentos adotados: “Além de informar a FUNAI da lacuna do EIA-RIMA apresentado pela Copelmi, o MPF buscou esclarecer a FEPAM acerca da necessidade de elaboração do componente indígena do Estudo. No começo de setembro passado, este subscritor entregou ofício e documentos a respeito das duas citadas comunidades indígenas em mãos à Diretora-Presidente da fundação, em encontro na Procuradoria da República em Porto Alegre, do qual também participaram membros da equipe técnica responsável pelo licenciamento da Mina Guaíba”.

Para Pedro Nicolau Moura Sacco, o EIA do projeto Mina Guaíba deveria contar com o chamado Componente Indígena, em vista da presença de duas comunidades Mbyá-Guarani a menos de 8 quilômetros das áreas de influência direta e do empreendimento. “Empreendedor e órgão licenciador, ora réus, foram informados a respeito e ainda não tomaram medidas para o início da elaboração desse documento”, acrescentou em seu parecer o Procurador.

Ao fim, Procurador dá seu parecer: “Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se favoravelmente ao pedido dos autores de tutela cautelar para suspensão imediata do processo de licenciamento do projeto Mina Guaíba, pois há prova inequívoca da verossimilhança do direito, isto é, da necessidade de inclusão de Componente Indígena no EIA-RIMA e de realização de consulta prévia livre e informada às comunidades indígenas afetadas. Também é evidente o risco ao direito da comunidade Mbyá-Guarani Guaijayvi pela continuidade do processo de licenciamento.”

Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara, celebrou a decisão do MPF: “Os povos indígenas devem ser ouvidos e respeitados. É o que determina a lei. E o MPF referenda isso. O momento é delicado para os povos indígenas, por isso lançamos na COP25 um documentário que levou a voz deles ao mundo. No documentário está incluída a voz do Cacique Santiago, que terá sua aldeia afetada em caso de aprovação do licenciamento desse monstro chamado Mina Guaíba”.

“O carvão mineral é um lixão químico”, diz especialista

Em seminário realizado pela Câmara Municipal de Canoas, com apoio da Arayara, especialistas falaram sobre os riscos da possível instalação da Mina Guaíba. Um dos painelistas, o professor Dr. Rualdo Menegat, foi taxativo: “o carvão mineral é um lixão químico”, alertou aos presentes.

Durante cerca de duas horas, Menegat e a também professora e pesquisadora Dra. Marcia Käffer explicaram os efeitos que a instalação da maior mina de exploração de carvão a céu aberto do Brasil poderá causar.

“A Mina Guaíba é uma bomba com proporções enormes. Essa bomba estará ao lado de Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Gravataí, Cachoeirinha e todas as cidades da região metropolitana. Mas, por algum motivo que não se sabe qual, essas cidades foram excluídas do estudo de impacto ambiental (EIA) do empreendimento. O EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) são repletos de erros primários”, afirmou o geólogo e professor da UFRGS. Para ele, o EIA-RIMA foi feito com “desleixo e está repleto de omissões”.

Segundo o geólogo, Mestre em Geociências (UFRGS), Doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem (UFRGS), Doutor Honoris Causa (Universidade Ada Byron, Peru), a possível instalação da Mina Guaíba vai potencializar os riscos de contaminação por Arsênio, Cadmio, Cloro, Cromo, Mercúrio, Cobalto, Chumbo, Tório, Uranio e outros metais cancerígenos. Além disso, serão jogadas na atmosfera 30 mil toneladas de pó. “Imaginem vocês, que o EIA-RIMA diz que essa quantidade toda de poeira não chegará a Porto Alegre, que fica a apenas 16 km da área da mineração! Isso é inaceitável”, destacou Menegat.

Käffer, que estuda há mais de 15 anos a poluição do ar, reforçou a afirmação de que haverá grandes impactos na saúde da população que vive na área de impacto da mina. “Os efeitos da poluição do ar geralmente se manifestam no homem sob a forma de doenças crônicas, principalmente nas faixas etárias mais suscetíveis que englobam crianças e idosos”, alertou.

Leia: Como a mineração do carvão afeta a tua saúde

Márcia Käffer foi além: “Mesmo após o processo de desativação da extração de carvão, a recuperação do ambiente é demorada e a utilização desta área para outros usos estaria comprometida por um período extenso ou até mesmo definitivamente”.

Diante dessas informações, aqueles que participaram do seminário demonstraram enorme preocupação. A falta de informação foi o tópico mais falado após o painel. E o vereador Aloísio Bamberg questionou: “Como vamos parar esse monstro que é a Mina Guaíba?”.

Suelita Köcker, diretora da Arayara, respondeu ao legislador afirmando que Arayara, Observatório do Carvão, 350.org e COESUS trabalharão de forma incansável para levar informação à sociedade gaúcha. Assim, de posse de informações, a sociedade será capaz de freiar esse monstro. “Já paramos monstros grandes como a Mina Guaíba. Mas, para isso, é fundamental informar as pessoas sobre o que está acontecendo. E isso tem sido negligenciado pelos envolvidos e interessados na instalação do empreendimento. Isso é inaceitável! Quem sofrerá na pele os problemas advindos da exploração do carvão são as pessoas que estão sendo ignoradas nesse processo”, disse.

Alguns passos já foram dados na busca de parar o processo de licenciamento. A Arayara já protocolou duas Ações Civis Públicas (ACPs) questionando algumas das muitas falhas do EIA-RIMA.

Mudanças climáticas

O dicionário Oxford escolheu “mudanças climáticas” como a palavra do ano de 2019. A imprensa diz que, finalmente, a sociedade acordou para esse tema. Mas o Rio Grande do Sul parece caminhar na contramão, já que o principal vilão das mudanças climáticas e suas consequências é justamente o carvão mineral.

Caso a mina seja liberada e produza o que o EIA-RIMA promete, serão 4,5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono jogados na atmosfera. Por isso, ao aceitar e autorizar a instalação desse empreendimento, as autoridades gaúchas estarão retrocedendo décadas e prejudicarão a vida de pelo menos 4,5 milhões de gaúchos e gaúchas que vivem na região metropolitana da capital sul-riograndense.

O carvão e as termelétricas no centro do debate

O Brasil sinaliza, nos últimos anos, o aumento de investimentos em carvão mineral, com projetos de exploração de minas, e novas termelétricas no plano decenal de energia, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), que pode chegar na casa de 7 GW. Com isso, há incentivo a uma matriz mais suja e cara e consequente ao aumento de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e todo seu comprometimento associado à saúde. 

O impulsionamento segue na contramão de uma economia de baixo carbono, e está sendo combatido, inclusive, pelos maiores financiadores mundiais. Nesta semana, 631 investidores, que administram US$ 37 trilhões em ativos, deram o seguinte recado, por meio do documento “Declaração de investidores globais aos Governos sobre Mudança do Clima”, durante a COP-25*, em Madri: que haja a eliminação gradual da energia térmica a carvão, entre outras metas.

Por aqui, há um processo contraditório. Os maiores empreendimentos estão em curso na região sul do país, nas últimas décadas, e ganharam um reforço de institucionalização pelo governo do estado do RS, com a criação do Polo Carboquímico, em 2018, mas que não está implementado.

Mais uma iniciativa polêmica é a tramitação do processo de licenciamento da Mina Guaíba, empreendimento da empresa Copelmi, na região metropolitana de Porto Alegre, sobre a qual a 350.org, o Instituto Internacional Arayra e a Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) estão se mobilizando com outras organizações da sociedade civil, para frear este processo. Entre as medidas, estão duas ações civis públicas, que pedem a suspensão imediata do processo de licenciamento prévio da Mina junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) do Rio Grande do Sul, movidas pelo Instituto Arayara, pela Associação Indígena Poty Guarani e pela Colônia de Pescadores Z5, em outubro deste ano. O Ministério Público Federal (MPF) também abriu inquérito (confira abaixo). Nesta semana, uma das ações mais recentes da 350.org e Arayara foi a parceria na organização de seminário, que foi realizado pela Câmara Municipal de Canoas.  

Mestre em Física e especialista em Mudanças Climáticas e Energia, Kishinami fala sobre este cenário no Brasil e a importância da criação do Observatório do Carvão Mineral,  na qual as ONGs participam, que propõe uma aproximação deste tema à sociedade. 

A entrevista especial desta semana foi concedida à jornalista Sucena Shkrada Resk, da 350.org, no Brasil. Kishinami é coordenador sênior do setor de Energia do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Confira a íntegra da entrevista:

350.org Brasil – Qual é a situação do Brasil atualmente com relação à matriz fóssil do carvão e quanto ao planejamento de termelétricas?
Roberto Kishinami (ICS) – O Brasil tem um sistema no setor elétrico, que começa com a indicação do governo sobre os planos para o período de dez anos – Plano Decenal de Expansão da Energia (PDE), que é atualizado ano a ano. O de 2019 acabou de sair do período de consulta pública no Ministério de Minas e Energia (MME). Neste documento, está indicado para os próximos 10 anos, expansão de térmicas a combustíveis fósseis. 

O quadro geral é o seguinte – em números redondos, num total de 60 GW de expansão, estão indicados 28 GW a fósseis; nestes 28 GW, até 7 GW podem ser a carvão e o restante a gás natural liquefeito (GNL), mais próximo à costa brasileira. Por exemplo, Itaipu, que é a nossa maior hidrelétrica, tem 14 GW instalados. Essa expansão equivaleria a duas vezes esta potência. 

O que ocorre atualmente é que algumas plantas térmicas já existentes a carvão e a óleo combustível terão de ser aposentadas, nos próximos dez anos, porque estão terminando suas vidas úteis. 

350.org Brasil – Pode-se dizer que o Brasil está retrocedendo quanto às políticas públicas energéticas, com essa retomada em fósseis?
Roberto Kishinami – Há setores negacionistas atualmente no núcleo do governo federal quanto às mudanças climáticas. Isto abre espaço para que o lobby do setor de carvão, que sempre foi muito ativo, entrasse com uma proposta de financiar as térmicas a carvão, inclusive as suas reformas. Como a maior parte delas está no fim de sua vida útil, a ideia é dar um upgrade, podendo tocá-las por mais uns 70 anos. Isto, na verdade, é parte de uma conjuntura política. Não considero que seja uma derrota e muitos aspectos devem ser considerados. Primeiro o mais determinante em termos de longo prazo, é que as renováveis, principalmente solar e eólica, reduziram muito seus preços. 

No último leilão, colocaram energia para as distribuidoras a um preço equivalente a US$ 20, o MWh. No leilão anterior, as de biomassa tinham colocado o valor médio de US$ 40, para o MWh. Já as térmicas a gás natural, US$ 60 MWh. Há uma diferença de preços muito significativa. O carvão está um pouco acima do gás natural, na casa dos US$ 70. As empresas colocam esses valores no mercado. Isso demonstra que a competitividade das matrizes fósseis no setor elétrico já é muito ruim, negativa. Em longo prazo, não vão prevalecer. 

O problema que o governo cria, quando privilegia fontes fósseis e nega a questão climática, é empurrar o país para ficar com ativos encalhados, mas que foram objeto de financiamento público e contrato com distribuidoras com períodos longos. Uma termelétrica pode ter contrato de até 25 anos de fornecimento. 

Nós, enquanto consumidores, estaríamos arcando com custos por décadas, sem haver necessidade. Por outro lado, nós, como contribuintes, estaremos colocando dinheiro (sem saber) nestes empreendimentos, financiados por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para viabilizar a atualização destas plantas, que contribuem para as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEES), de uma forma absurda.

Para cada MWh de energia gerada em uma térmica a carvão você tem uma tonelada de CO2 lançada para a atmosfera. Quando é a gás, a relação é de 600 kg lançados para a atmosfera, em regime contínuo. Já quando é no regime de ‘liga e desliga’, que chamamos de térmica de ciclo aberto, que servem para suprir as pontas do sistema, é na casa de 1 tonelada de CO2 por MWh. Se estamos falando de 21 mil MWh instalados x 8.760 horas, daria uma emissão na casa de dezenas de milhões de toneladas de CO2. Isso quer dizer pouco mais que dobrar as emissões do setor elétrico, sem necessidade, para o perfil dos potenciais do Brasil.

350.org Brasil – Geralmente o governo federal alega que aciona as termelétricas para suprir principalmente as hidrelétricas em momentos de seca e estiagem. O que tem a dizer a respeito para rebater este argumento?
Roberto Kishinami – Este modo de pensar é muito antigo e não enquadra as fontes atuais renováveis – eólica, solar e biomassa. Há cerca de 30 e 40 anos, havia um ponto consensual de que em países com fontes hidrelétricas, como o Brasil, era necessário complementá-las com termelétricas no sistema. Foi nesse período que vieram as termoelétricas a carvão do sul, que sempre foram muito caras. 

A questão que hoje a gente vive é que as fontes mais baratas que as hidrelétricas são solar e eólica. Mesmo a energia solar, em cinco a dez anos, vai ser complementada por baterias. Os preços, na verdade, estão caindo. A partir daí não haveria mais essa discussão de qual seria a melhor opção. 

É preciso mudar as orientações governamentais de como se pensa o planejamento e alteração no setor. Envolve órgãos, como a Secretaria de Planejamento Energético, no MME, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador Nacional do Sistema (ONS), entre outros.  O negacionismo ainda é presente no MME e há propostas, por exemplo, de incentivo à energia nuclear, que é algo dos anos 60 e 70.

350.org Brasil – Qual sua avaliação sobre a iniciativa da criação do Observatório do Carvão, nesta conjuntura?
Roberto Kishinami – É fundamental para expor uma popularização sobre este tema. Se você avalia os danos que o carvão causa ao meio ambiente e à saúde, desde à mineração à queima, todo o ecossistema, tudo que está vivo sofre os efeitos. O Observatório pode acompanhar e apresentar estes pontos de uma maneira sistemática e permanente para a sociedade. Este é o principal papel. O Brasil, na verdade, não tem uma discussão sistemática sobre questões de energia, com isso fica prejudicado o debate mais aprofundado sobre projetos como da Mina Guaíba, no RS. No estado, os investimentos nesta área estavam focados mais no interior e agora na região metropolitana, bem próximo a Porto Alegre. E a correlação com o cotidiano das pessoas é algo fundamental. Hoje o Observatório é formado pelo ICS, pela 350.org Brasil,  pela COESUS, pelo Instituto Arayara e pela Rede Guarani, além de representantes da sociedade civil.

350.org Brasil – Qual é a importância de parcerias de diferentes organizações nesta iniciativa do observatório?
Roberto Kishinami – Nenhuma organização sozinha dará conta desta área de energia e especificamente do carvão. É preciso estabelecer alianças. É um tema multidisciplinar – energético, ambiental e de saúde. Tem de reunir partes diferentes da sociedade civil neste processo. É preciso trazer outras áreas da sociedade, mobilizadas por outros motivos, que tratam da territorialidade; outros, da vida saudável. Essas questões fazem parte do processo ao longo deste século. O combate às mudanças climáticas tem a ver com a ação do homem sobre o meio ambiente. Trata-se de um sistema climático global, com diferentes efeitos localmente em diferentes partes do planeta. Para isso, é preciso aumentar o grau de informações às pessoas e facilitar mudanças de comportamento, que a gente adquire, mesmo sem perceber, que são prejudiciais. 

Um exemplo é a dependência de veículos movidos a combustíveis fósseis. Hábitos de consumo são extremamente dispendiosos, no ponto de vista de energia e emissões. Para tratar de tudo isso, o Observatório pode reunir todas estas percepções e dialogar com a sociedade estes temas, trazendo tópicos do cotidiano para atrair mais interesse. 

350.org Brasil – Qual sua análise sobre cenários climáticos em xeque nas negociações na COP-25?
Ricardo Kishinami – Do lado dos cientistas, está claro que estamos perto de um limite perigoso quanto ao aumento médio na temperatura do planeta, devido ao aumento das emissões. Os relatórios já utilizam uma linguagem alarmista, alertando que ‘acabou o tempo’. Quando pesquisadores chegam neste tom, é que realmente estão assustados, pois o processo está mais acelerado do que previam. Traduzindo na linguagem no dia a dia, é que estamos expostos a um grande perigo climático. 

O pessoal de hidrologia, que está envolvido no estudo na bacia do São Francisco, por exemplo, explica que hoje não existe mais um padrão hidrológico, que se repete periodicamente, ou seja, um regime estacionário. Com isso, fica difícil fazer as estatísticas para fazer a previsão do futuro. Causa uma instabilidade para o setor elétrico e também com relação à saúde humana, quanto a doenças tropicais. Estes são alguns dos aspectos que emergem. 

Temos elementos, na questão de saúde, de abastecimento de água, ondas de calor e de frio que o Brasil tem de tratar e agir de acordo para contribuir para a redução das emissões de GEEs.

*COP-25 – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima

Sobre a Arayara + 350.org e o carvão

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas. Uma das campanhas que desenvolve com os parceiros Arayara e COESUS atualmente é contra a exploração minerária e utilização do carvão para geração de energia com parceiros, no Rio Grande do Sul. Essa iniciativa é ampliada como ONG integrante do Observatório do Carvão Mineral , junto com Arayara, COESUS, ICS e Rede Guarani, além de representantes da sociedade civil.

As ações são multidisciplinares, já que ao mesmo tempo, a 350.org age em defesa de comunidades indígenas e de outras comunidades tradicionais, que são afetadas por estes empreendimentos carboníferos, por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa destas famílias por meio da campanha Defensores do Clima.

Por: Sucena Shkrada Resk