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MPF pede inconstitucionalidade de decreto que alterou composição e funcionamento do Conama

MPF pede inconstitucionalidade de decreto que alterou composição e funcionamento do Conama

O Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação apontando a inconstitucionalidade do Decreto 9.806/2019, que alterou a composição e o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Entre as mudanças, a norma publicada em maio reduziu o número de vagas destinadas à sociedade civil, enquanto, proporcionalmente, ampliou a presença do governo federal no colegiado. As ONGs ambientalistas tiveram seus mandatos cindidos à metade, e passaram a ser escolhidas por meio de sorteio. 

A Arguição de Descumprimento por Preceito Fundamental (ADPF) 623 deriva de uma representação feita à Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos procuradores regionais da 3ª Região, José Leonidas Bellem de Lima e Fátima Borghi, em conjunto com entidades ambientalistas. Ajuizada em setembro último no Supremo Tribunal Federal (STF), encontra-se sob a relatoria da ministra Rosa Weber. O MPF indica diversos pontos da nova regulamentação que ferem preceitos constitucionais, sobretudo no que diz respeito aos princípios da participação popular direta da sociedade, da igualdade e da vedação do retrocesso socioambiental. Além disso, a norma poderá deixar desprotegidos os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à vida.

O decreto, assinado conjuntamente pelo presidente da República e pelo ministro do Meio Ambiente, cortou de 11 para quatro o número de assentos reservados às organizações ambientalistas. Por outro lado, foi ampliada a presença do bloco governamental, que, agora com 17 assentos, passa a deter 74% dos votos no conselho. Além disso, foi excluída a representação de órgãos federais mais afetos à temática do meio ambiente e de outros direitos fundamentais conexos, de que são exemplos a Agência Nacional de Águas (ANA), o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério da Saúde não têm mais vaga no conselho. Ao mesmo tempo, deu-se assento cativo no Conama ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), pastas naturalmente estranhas aos propósitos de proteção e preservação ambientais. Apesar de sucessivas alterações ao longo de sua história, em nenhuma reforma anterior “o Conama sofreu retrocessos tão acentuados em termos de pluralidade e amplitude da participação popular e do controle social”, afirmam os procuradores regionais autores da representação à PGR.

Mandato e escolha por sorteio – A nova regulamentação também determina que a escolha das entidades ambientalistas para compor o Conama, antes feita democraticamente por meio de eleição, seja realizada por sorteio. O MPF argumenta que essa alteração atenta contra o direito de participação direta da sociedade na formulação das políticas públicas ambientais, retirando das ONGs seu poder de auto-organização e impedindo que elas escolham por critérios objetivos os representantes mais aptos para atuar no conselho. Com a mudança, os procuradores alertam que são grandes as chances de que entidades sem condições estruturais para representar o bloco sejam as selecionadas. Eles também observam que ao substituir o sufrágio pela pura aleatoriedade como técnica de seleção, o decreto não violou apenas o direito de autonomia de um segmento, mas acabou por condenar a população ao risco de ver totalmente neutralizada a sua capacidade de participação no Conama.

Outra alteração foi a duração do mandato das ONGs, que passou de dois para apenas um ano, sem direito a recondução. Os procuradores que assinaram a representação, com experiência de atuação naquele colegiado como representantes do Ministério Público Federal junto ao Conama desde 2012, afirmam que o prazo reduzido dificulta o desenvolvimento de um trabalho consistente no Conselho. “Um frenético giro na troca das cadeiras não propiciará em nada o aprimoramento dos trabalhos no Conama; ao contrário, impedirá um mais adequado aprofundamento no conhecimento da matéria”, sustentam. Para o MPF, a reforma do Conama ocorre em um contexto de eliminação na máxima extensão possível das instâncias de participação da sociedade civil na formação de ações do Poder Público e de um desmonte de todo o aparato organizacional do Estado brasileiro para proteção e preservação ambiental. O Conama representa uma interseção de ambas tendências.

Falta de paridade – Os procuradores regionais afirmam sempre ter havido um desequilíbrio de forças no Conama. De um lado, segundo eles, sempre se conferiu uma grande maioria de assentos a órgãos e entidades que ali estão para defender interesses próprios, que apesar de terem naturezas variadas (governamental, econômica e corporativa), tendem a se unir e a se antagonizar aos propósitos de proteção do meio ambiente e de outros bens relacionados. Do outro lado, portanto, restaria uma ínfima minoria de vagas às ONGs ambientalistas, representantes da sociedade civil tidos como os mais legitimados para a defesa exclusiva dos direitos fundamentais ali em jogo, o que as torna incapazes de fazer prevalecer sua posição, limitando até mesmo seu poder de influenciar nos procedimentos e no resultado das decisões colegiadas.

Nesse sentido, sustentam que, por estar o Conama “vinculado constitucional e legalmente ao cumprimento de sua finalidade de proteção ambiental”, deveria, portanto, ser conferida a maioria de assentos justamente a essas ONGs ambientalistas. A disparidade na composição do Conama reflete inclusive na qualidade protetiva das normas que edita. Exemplo disso é a Resolução 491, publicada pelo colegiado em novembro de 2018, e que estabeleceu novos padrões nacionais de qualidade do ar sem prazos de progressão e com valores iniciais muito mais permissivos que aqueles recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa norma também está sendo questionada no Supremo, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.148), proposta pela Procuradoria-Geral da República, e baseada em representação dos mesmos procuradores regionais, em conjunto com entidades ambientalistas. Naquela ocasião, já haviam apontado para o déficit democrático existente no Conama, com composição ainda anterior à da reforma.

Os autores da representação sustentam, por fim, que a não correção dessas disparidades (existentes também em colegiados participativos estaduais e locais) continuará dando ensejo a desastres ambientais e humanos como os de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Afirmam que a supressão da sociedade civil e a prevalência de interesses estranhos, e até mesmo avessos, à proteção ambiental tende a resultar na desconsideração de preceitos básicos do direito ambiental, como os princípios da prevenção e da precaução, que devem reger toda e qualquer decisão nessa área.

Íntegra da ADPF 623 (inicial)

Íntegra da representação

Fonte: Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria Regional da República da 3ª Região

MPF dá parecer favorável à suspensão imediata do licenciamento da Mina Guaíba

O Ministério Público Federal, através do Procurador da República, Pedro Nicolau Moura Sacco, manifestou-se favoravelmente ao pedido de suspensão imediata do processo de licenciamento da Mina Guaíba, requerido à Justiça Federal através de uma Ação Civil Pública (ACP) assinada pelo Instituto Arayara em parceria com Associação Indígena Poty Guarani, em outubro de 2019.

O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do projeto ignorou a presença de aldeias indígenas na área diretamente afetada pela Mina Guaíba. O erro foi cometido tanto pelo órgão ambiental licenciador, Fepam, quanto pelo empreendedor, Copelmi. A legislação vigente é muito clara e objetiva: os licenciamentos devem ter consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e tradicionais. No caso da Mina Guaíba, foram excluídos os indígenas da Associação Indígena Poty Guarani, a Aldeia (TeKoá) Guajayvi.

O MPF questionou a FUNAI sobre o processo de licenciamento e a autarquia afirmou que não foi consultada nem pela Fepam, nem pela Copelmi; e afirma, ainda, que tomou conhecimento do empreendimento através de ofícios encaminhados pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI) e pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul.

Diz o Procurador: “Sem qualquer contato com os indígenas, tampouco houve algum movimento por parte da FEPAM e da Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e tribais”.

Ações civis públicas pedem suspensão do licenciamento da Mina Guaíba

Sacco também questionou a Fepam sobre os procedimentos adotados: “Além de informar a FUNAI da lacuna do EIA-RIMA apresentado pela Copelmi, o MPF buscou esclarecer a FEPAM acerca da necessidade de elaboração do componente indígena do Estudo. No começo de setembro passado, este subscritor entregou ofício e documentos a respeito das duas citadas comunidades indígenas em mãos à Diretora-Presidente da fundação, em encontro na Procuradoria da República em Porto Alegre, do qual também participaram membros da equipe técnica responsável pelo licenciamento da Mina Guaíba”.

Para Pedro Nicolau Moura Sacco, o EIA do projeto Mina Guaíba deveria contar com o chamado Componente Indígena, em vista da presença de duas comunidades Mbyá-Guarani a menos de 8 quilômetros das áreas de influência direta e do empreendimento. “Empreendedor e órgão licenciador, ora réus, foram informados a respeito e ainda não tomaram medidas para o início da elaboração desse documento”, acrescentou em seu parecer o Procurador.

Ao fim, Procurador dá seu parecer: “Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se favoravelmente ao pedido dos autores de tutela cautelar para suspensão imediata do processo de licenciamento do projeto Mina Guaíba, pois há prova inequívoca da verossimilhança do direito, isto é, da necessidade de inclusão de Componente Indígena no EIA-RIMA e de realização de consulta prévia livre e informada às comunidades indígenas afetadas. Também é evidente o risco ao direito da comunidade Mbyá-Guarani Guaijayvi pela continuidade do processo de licenciamento.”

Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara, celebrou a decisão do MPF: “Os povos indígenas devem ser ouvidos e respeitados. É o que determina a lei. E o MPF referenda isso. O momento é delicado para os povos indígenas, por isso lançamos na COP25 um documentário que levou a voz deles ao mundo. No documentário está incluída a voz do Cacique Santiago, que terá sua aldeia afetada em caso de aprovação do licenciamento desse monstro chamado Mina Guaíba”.