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COP26: Bolsonaro é o maior vilão ambiental desde Estocolmo, 1972

COP26: Bolsonaro é o maior vilão ambiental desde Estocolmo, 1972

Ao fugir da Conferência do Clima em Glasgow, Presidente indica acirramento da violência contra imprensa e opositores, mas terá de lidar com a realidade: 78% dos brasileiros  acreditam serem as mudanças no clima uma das maiores preocupações da humanidade

Carlos Tautz

A Conferência das Partes da Convenção do Clima, a COP26 (31/10 a 12/11 em Glasgow, Escócia) não precisou nem começar para o Presidente Jair Bolsonaro alcançar a inédita condição de o maior vilão global ambiental desde 1972.

A conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) realizada em Estocolmo (Suécia), há 49 anos, iniciou o longo ciclo das grandes conferências da ONU sobre meio ambiente e e desenvolvimento e marcou a história com o momento a partir do qual se popularizou o conceito de limites físicos do crescimento econômico, que marcou toda a produção científica global, a geopolítica, a forma de produzir energia e que, em última análise, justifica a própria realização desta Conferência na capital escocesa.

Para não expor Bolsonaro a constrangimentos ainda maiores do que ele já presenciou na Itália neste fim de semana, quando foi apartado pelos chefes de Estado na reunião do G20 e sequer saiu na foto oficial do evento, um Itamaraty agora negacionista agiu.

Tentou reduzir em Glasgow os danos à já destroçada imagem de um presidente negacionista e oportunista, que gargalhou da morte quase 610 mil brasileiros durante a pandemia, por recusar uma marca de vacina ao seu próprio povo enquanto seus comparsas no Ministério da Saúde fraudavam concorrências para comprar imunizantes de fornecedores cúmplices.

É o mesmo Itamaraty que, após ter sido há cinco ou seis governos um dos propulsores da idéia de responsabilidades comuns porém diferenciadas (que orienta a Convenção do Clima), agora sugeriu ao ex-capitão Bolsonaro bater em retirada para Brasília, antes mesmo do evento climático, a que todos os chefes de Estado importantes fazem questão de comparecer.

Porém, como é da lógica do jeito Bolsonaro de ser, ele não perdeu a oportunidade de protagonizar, em Roma, antes da fuga para seu bunker no Planalto, cenas típicas da violência política que já se assiste no Brasil desde a campanha do Presidente, em 2018.

Um cenário, aliás, que tende a  se radicalizar à medida em que, entre outros fenômenos sociais, crescem o desmatamento e as emissões de gases estufa no Brasil, a crise política e econômica se agrave e continuem a cair as intenções de voto que o ocupante do Palácio ainda mantém, para as eleições presidenciais de 2022.

Radicalização da violência

Na capital da Itália, ele ultrapassou o limite das agressões verbais que fazia principalmente contra jornalistas mulheres e terceirizou a seus seguranças a tática da agredir repórteres, agora fisicamente. O quadro, preparem-se, já indica que aumentará a violência por parte dos adoradores do Bolsonaro na velocidade em que se aproximarem as eleições do ano que vem.

Ontem, ao final da reunião do G20, quando foi a rua encontrar a meia dúzia de apoiadores acríticos, Bolsonaro deu a senha para sua tropa de choque investir contra repórteres, quando respondeu de forma violenta ao correspondente da TV Globo, Leonardo Monteiro.

Na sequência imediata, Leonardo levou um soco de um segurança e foi empurrado. Ana Estela Pinto, da Folha de São Paulo, foi empurrada com violência pelo menos quatro vezes, e Jamil Chade, do UOL e El País Brasil, que filmava tudo com seu celular, teve o aparelho roubado e posteriormente jogado fora, por parte de outro segurança de Bolsonaro. 

Essas agressões provam que vem se radicalizando ainda mais a tática da violência por parte do Presidente e seus apoiadores. O negacionismo fascista de Bolsonaro logicamente escolhe como alvo privilegiado aqueles que produzem a informação e o conhecimento e que, assim, escancaram a visão anti-democrático do Presidente.

Jornalistas, cientistas, professores, indígenas e ambientalistas, com suas profissões, suas denúncias e sua militância, que se cuidem – ou que corram, os quen puderem.

Nesta segunda-feira (1) de manhã, a polícia política italiana foi ainda mais longe e fez o clima esquentar. Em Pádua, onde Bolsonaro teria compromissos políticos. Pelotões típicos da Era Mussolini agrediram violentamente com golpes de cassetete e jatos d’água centenas de pessoas que denunciavam Bolsonaro pelos crimes de genocídio na pandemia e de desmonte das políticas públicas, inclusive as ambientais e de direitos humanos.

As cenas podem ser vistas aqui.

O capitão bate em retirada para Brasília

Sabedor de que esse clima de rejeição é ainda mais agudizado na COP26, onde seria amplificada a denúncia dos desmontes e violências, chegando ao estímulo aberto ao garimpo ilegal até em terras indígenas demarcadas, Bolsonaro fugiu.

Voltou para Brasília, e proibiu a presença em Glasgow até do seu vice, o general aposentado Hamilton Mourão, que desde fevereiro de 2020 Mourão preside o Conselho da Amazônia.

Integrado apenas por representantes de vários ministérios e sem qualquer participação da sociedade civil, o Conselho apenas se configurou como mais um espaço militarizado na gestão Bolsonaro.

Uma bocarra, daquelas em que oficiais superiores, a começar por Mourão, acumulam inconstitucionalmente jetons, DAS, diárias e toda sorte de privilégios de que usufruem nababescamente os militares que nuca combateram, desde que o capitão Bolsonaro conseguiu chegar ao Palácio.

Em verdade, no período Mourão à frente do Conselho, centenas de militares foram empregados em operações onerosas (custaram seis vezes mais do que os orçamentos das agências de regulação ambiental ICMBio e Ibama), em substituição aos tarimbados agentes ambientais, e as taxas de desmatamento e de emissão de gases estufa bateram recordes históricos duas vezes.

Dados como esses não escandalizam e preocupam “somente” a opinião pública mundial, os mercados importadores de produtos brasileiros (cada vez mais taxados de anti-ambientais) e aqueles chefes de Estado que já isolaram Bolsonaro no G20.

“Bolsonaro é uma ameaça à vida humana”

A opinião deles, a propósito, foi sintetizada em entrevista à Folha, nesta segunda, por George Monbiot, influente colunista do The Guardian: “Bolsonaro é uma ameaça à vida humana”, afirmou Monbiot. “Ele (Bolsonaro) representa uma ameaça em muitos níveis para os brasileiros, mas também uma ameaça global em proteger não apenas a Amazônia, mas também o cerrado”.

Essa não é apenas uma opinião de gringos. O público interno, aquele que parece ser a única preocupação de Bolsonaro porque pode lhe garantir ou negar votos, dá sucessivas mostras de que rejeita o governo pela sua atuação o campo climático e ambiental.

O front interno

Segundo pesquisa publicada hoje pela revista Exame, em parceria com o Instituto de Pesquisas Ideia, para 78% dos brasileiros, “a mudança climática é um risco para toda a humanidade, levando a eventos extremos como enchentes, incêndios e furacões”.

“A maior parte das pessoas acha que a resolução do problema do aquecimento global passa pela Amazônia”, disse Maurício Moura, diretor do Instituto Idéia. “Isso é muito importante, porque parece que é um assunto que parece distante dos grandes centros brasileiros, mas que a pesquisa mostrou que adquiriu muita substância na busca da solução do problema”, completou.

Não há notícia pior para a um negacionista. A consciência informada dos eleitores, principalmente contra os tais 20% que todas as pesquisas indicam serem o núcleo duro dos que insistem em apoiar de forma acrítica qualquer avanço bolsonaresco sobre florestas e direitos indígenas, é o maior obstáculo que se coloca para quem faz do ódio cego e das opinões pré-formadas sobre tudo a única estratégia para chegar e se manter no poder.

Isto significa que Bolsonaro e Mourão podem continuar isolados e fugidios em eventos e convescotes internacionais. Esses fóruns nada mais renderão aos culpados, se tanto, do que extensas, assombradas e inúteis cartas de repúdio. A opinião alheia nada importa para quem se pós-graduou em elaborar e disseminar notícias falsas nas quais eles próprios acreditam como se estivessem em um Brasil paralelo.

Mas, a realidade política no Brasil, que tende a se transformar em realidade concreta e aguda à medida em que a luta pelo poder vá se afunilando, resultará em várias consequências.

A começar pelo aumento na intensidade da violência oficial, como se viu com o episódio das agressões cometidas contra jornalistas em Roma no final de semana, também no cenário interno pode ser aguardado um grau inédito de agressividade contra quem está no limite da resistência ao desmonte do mínimo Estado de proteção social e ambiental que a Constituição de 1988 ainda garante ao Brasil.

Neste grupo se encontram, além de jornalistas, cientistas e professores, também  ambientalistas e indígenas.

Obsolescência do Carvão: Descomissionando um legado tóxico rumo à transição justa

Obsolescência do Carvão: Descomissionando um legado tóxico rumo à transição justa

Sobre o evento
Mais de 200 de exploração do carvão mineral no Sul do Brasil e no mundo geraram diversos impactos, deixando legado de contaminação e emissões de gases de efeito estufa. Para descarbonizar a economia é necessário encarar a obsolescência do carvão de frente, elaborando políticas públicas que visem a transição justa, descomissionando as plantas, recuperando áreas degradadas e gerando uma nova economia justa e sustentável. Neste painel apresentaremos um panorama da geração elétrica a carvão no Brasil e no mundo, analisando dois estudos de caso: a atuação da Engie no Brasil e o fechamento do Polo Carboquímico e da Mina Guaíba, a maior mina de carvão a céu aberto da América Latina. O painel trará também a perspectiva da politica pública estadual, sobre os desafios e oportunidades da transição justa.

Event Information
More than 200 years of coal mining in the South of Brazil and worldwide have generated several impacts, leaving a legacy of contamination and greenhouse gas emissions. To decarbonize the economy it is necessary to face the coal obsolescence, elaborating public policies that aim for a fair transition, decommissioning the plants, recovering degraded areas, and generating a new fair and sustainable economy. In this panel we will present a panorama of coal-fired power generation in Brazil and worldwide, analyzing two case studies: Engie’s practices in Brazil and the closure of the Carbochemical pole and Guaíba Mine, the largest open-pit coal mine in Latin America. The panel will also bring the state public policy perspective on the challenges and opportunities of just transition.

Palestrantes:

  • Ricardo Baitelo, IEMA
  • Nicole Oliveira, Arayara.org e Observatório do Carvão Mineral
  • Eduardo Leite, Governador do Rio Grande do Sul
  • Lucie Pinson, Reclaim Finance (TBC)
  • Roberto Kishinami (iCS)

Dia:
04/11/2021

Horário:
10h às 11h

Local:
Brazil Climate Action Hub – COP26, Blue Zone, Hall 4, entrada 4B – Pavilhão 47

Organizadores:

Contato para mais informações:

Projeto de Lei permitirá Governo Bolsonaro mudar metas do acordo do clima

Projeto de Lei permitirá Governo Bolsonaro mudar metas do acordo do clima

Alerta de Jabuti: Ambientalistas apontam problemas em projeto de lei aprovado no Senado no dia 20 de outubro, a qual pode permitir nova “pedalada climática” por mudar a base de cálculos de redução das emissões de CO2 e as metas de desmatamento, gerando ambiguidades com antigos acordos já previstos em lei mas ainda não regulamentados. O PL ainda precisa ir para a Câmara dos Deputados.

Por: Rafael Garcia – O Globo

O projeto de lei sobre as metas de cortes de emissão de CO2 do Brasil aprovado na última quarta-feira pelo Senado tem embutido um artigo que pode sabotar o compromisso do país de reduzir emissões. O alerta sobre “jabutis” inseridos na proposta foi dado na sexta-feira por ambientalistas que criticaram o PL.

Segundo o Observatório do Clima, coalizão que reúne as maiores ONGs do setor, o texto aprovado deixa na mão da Presidência da República o poder de decidir quanto o país vai reduzir em gases de efeito estufa até 2030. Isso ocorre porque em vez de estabelecer uma meta em termos absolutos, o projeto prevê que o corte será feito em relação a uma projeção futura de emissões, que ficará a cargo de um decreto presidencial.

Pelo novo PL, o Congresso determina que as emissões devem cair 43% em 2025 e 50% em 2030, mas o presidente define “em relação a o que” será essa queda. Se aprovado também pela Câmara e sancionado, o projeto na prática elimina a atual NDC (contribuição nacionalmente determinada) do país, o compromisso oficial do país diante do Acordo de Paris para combate à crise do clima.

A atual proposta do país, revisada no ano passado, já vinha sendo alvo de críticas por alterar a base de cálculo das emissões abrir margem para retrocesso na promessa, numa manobra apelidada de “pedalada climática” pelos ambientalistas. O que o novo PL faz, na prática, é jogar ainda mais incerteza sobre os compromissos internacionais do país.

— Esse projeto de lei entra na categoria do “se não quer ajudar, por favor não atrapalhe”. Ele só serve para bagunçar mais aquilo que já está ruim — diz Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.

Atualmente, o compromisso do Brasil no âmbito do Acordo de Paris é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e em 43% em 2030. Essas porcentagens são calculadas em relação ao que o país emitia em 2005, o ano da base de cálculo. O que abriu margem para a “pedalada” é que o país alterou seu inventário de emissões retroativamente, e mudou de 2,1 bilhões para 2,8 bilhões de toneladas de CO2 a estimativa de 2005. Isso permitiria ao país emitir 400 milhões de toneladas de CO2 a mais em 2030.

O novo PL, apesar de ampliar os percentuais de corte, transforma a base de cálculo em uma grande incógnita.

“A lei cria uma situação paradoxal: a partir do momento em que ela for promulgada, o país passa a ter duas NDCs, e, ao mesmo tempo, nenhuma. Ficaremos com a meta atual, internacional, depositada junto à Convenção do Clima da ONU, (37% em 2025 e 43% em 2030), e a nova, nacional (43% em 2025 e 50% em 2030), ainda sem regulamentação e sequer sem uma base de cálculo, à espera da canetada de Bolsonaro” escreveu o Observatório do Clima em comunicado público. Entre as ONGs representadas na coalizão estão Greenpeace, WWF, Conservation International e outras.

Outro problema apontado pelos ambientalistas é que a versão original do projeto previa antecipar de 2030 para 2025 as metas de atingir taxa zero de desmatamento, mas no texto aprovado esse item não está contemplado. Além da versão original do PL protocolada pela senadora Kátia Abreu, havia uma outra relatada por Marcelo Castro (MDB-PI) que estava tramitando paralelamente, e foi esta aquela posta em votação, com o “jabuti” da base de cálculo ancorada em projeções futuras.

A mudança não foi mencionada por Abreu na quarta-feira, porém. A senadora deu a entender que o texto da proposta aprovada foi positivo. O PL ainda precisa ir para a Câmara dos Deputados.

Para os ambientalistas, o momento de fazer alterações é grave, pois dentro de uma semana começa a COP-26, a conferência do clima de Glasgow, onde os países se reúnem para discutir a implementação do Acordo de Paris. Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, think-tank da área socioambiental, o Executivo e o Legislativo Brasileiro caminham contra a comunidade internacional, que pressiona por mais ambição nas NDCs dentro do Acordo de Paris, pois os compromissos atuais não são capazes de frear o aquecimento de 2,0°C do planeta neste século, considerado um limite perigoso.

“O PL está desalinhado com o Acordo de Paris, na forma e no conteúdo. Não amplia a ambição climática do Brasil e confunde as mensagens para a COP-26”, escreveu a pesquisadora. “O Brasil pode reduzir entre 66% e 82% as emissões até 2030, e ainda crescer e se desenvolver, conforme estudos recentes.”


FONTE: https://oglobo.globo.com/mundo/projeto-de-lei-da-bolsonaro-poder-de-mudar-meta-brasileira-no-acordo-do-clima-dizem-ongs-25249122

COP26: As críticas do Brasil a relatório da ONU crucial para conferência sobre mudanças climáticas

COP26: As críticas do Brasil a relatório da ONU crucial para conferência sobre mudanças climáticas

Por: BBC News

Em mensagens ao principal órgão mundial responsável por orientar o combate às mudanças climáticas, o Brasil se opôs a recomendações para reduzir o consumo de carne no mundo, defendeu a produção de biocombustíveis e rebateu críticas à política ambiental do governo Jair Bolsonaro.

Os debates foram travados durante a elaboração do sexto relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que será um dos documentos de referência na COP26, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que começa no dia 31 de outubro em Glasgow, na Escócia.

A BBC teve acesso exclusivo a mais de 32 mil comentários e críticas que governos, empresas e outras instituições fizeram ao relatório do IPCC, o principal órgão global responsável por organizar o conhecimento científico sobre as mudanças do clima e orientar as ações para combatê-las.

Os relatórios do IPCC são usados por governos para decidir que ações são necessárias para reduzir o ritmo das mudanças climáticas, e este mais recente será crucial para orientar as negociações na COP26, na Escócia. Os comentários dos países e o rascunho mais atualizado do relatório foram entregues ao time de jornalistas investigativos da ONG Greenpeace UK, que repassou os documentos à BBC.

Brasil é contra reduzir consumo de carne

Nas mensagens ao IPCC, o Brasil se opôs fortemente à conclusão do relatório de que a adoção de uma dieta com menos carnes e mais alimentos feitos de plantas seria necessária para combater a mudança do clima.

O argumento foi endossado pela Argentina e, em menor grau, pelo Uruguai – outros dois grandes produtores de carne.

Segundo o IPCC, a produção de carne é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Isso porque a vegetação nativa é muitas vezes derrubada para dar lugar a pastagens ou plantações de soja, que alimentam rebanhos.

O rascunho do relatório do IPCC diz que “dietas à base de vegetais podem reduzir as emissões em até 50% comparado com a média de emissões da dieta Ocidental.”

Carne em supermercado
Imagem: Getty Images – Governo brasileiro argumenta que ‘os benefícios nutricionais da proteína animal para a saúde humana não podem ser desconsiderados’

Ao IPCC, porém, o Brasil argumentou que a produção de carne não necessariamente emite mais gases causadores do efeito estufa do que a produção de alimentos feitos de plantas.

Tanto Brasil quanto Argentina defenderam que os autores do relatório do IPCC apaguem ou modifiquem trechos do texto que falam que “dietas à base de vegetais” cumprem um papel na gestão das mudanças climáticas ou que descrevem carne vermelha como um alimento de “alta emissão de carbono”.

O governo brasileiro citou a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre uma dieta saudável, segundo a qual a dieta deve “considerar recomendações nutricionais internacionais; (e) a adaptabilidade a contextos sociais, culturais e econômicos locais”.

Segundo o Brasil, tanto dietas vegetarianas quanto dietas com carnes podem gerar altas emissões na sua produção, dependendo da metodologia de produção, mas também há formas de reduzir essas emissões, segundo o governo.

O Brasil argumentou que a pecuária, quando integrada com práticas agrícolas e conservacionistas, “pode neutralizar emissões e promover um sistema de produção equilibrado e diversificado, portanto, resiliente”.

Além disso, disse que “os benefícios nutricionais da proteína animal para a saúde humana não podem ser desconsiderados”.

Segundo a USDA, agência agrícola do governo americano, o Brasil é o segundo maior produtor do mundo de carne bovina e seus derivados, só atrás dos EUA. Em 2020, 16,67% da carne bovina consumida no mundo veio do Brasil, segundo a agência.

Biocombustíveis e desmatamento

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Imagem: REUTERS/RICARDO MORAES – Segundo o IPCC, a produção de carne é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado

Outro ponto de divergência entre o Brasil e o IPCC foi a produção de biocombustíveis, como o etanol. O Brasil se queixou da avaliação do IPCC de que os biocombustíveis provocam a substituição de florestas por monoculturas e reivindicou que veículos movidos a biocombustíveis sejam tratados da mesma forma que veículos elétricos.

Em seu relatório, o IPCC diz que um aumento muito grande no uso de biocombustíveis “colocará pressão significativa sobre o uso da terra e ecossistemas”.

Já o Brasil argumenta, entre outros pontos, que a bioenergia pode ajudar a combater a desertificação e que o setor pode se expandir por áreas agrícolas hoje inutilizadas, e não florestas.

Outra divergência se deu quanto à avaliação do IPCC de que o governo Bolsonaro teria reduzido a proteção da Amazônia, o que teria causado um aumento do desmatamento.

Sobre esse ponto, o Canadá afirmou que a situação era ainda pior do que a retratada pelo IPCC.

“As taxas atuais de desmatamento (na Amazônia brasileira) estão 182% mais altas do que as metas estabelecidas – representando uma redução de só 44% comparada aos 80% estabelecidos em lei”.

O Canadá cobrou ainda do Brasil um “plano coerente para regularizar e proteger terras públicas e indígenas”. Já o governo brasileiro rejeitou que tenha ocorrido uma redução na proteção da Amazônia.

“Não houve mudanças nas regulamentações sobre uso da terra no Brasil, e o país manteve seu Código Florestal como ele é”, disse o país.

O governo citou ainda a criação do Conselho da Amazônia e de uma força-tarefa ambiental para traçar e executar planos para “proteger, defender e desenvolver sustentavelmente as florestas brasileiras”.

No entanto, não há referências no relatório do IPCC a qualquer desregulamentação, mas sim à redução de poder das agências ambientais brasileiras, caso do Ibama.

Em várias ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro se queixou de práticas empregadas pelo Ibama – como a destruição de equipamentos de madeireiros e garimpeiros ilegais.

Afirmou ainda que, em seu governo, a agência estava sendo “mais racional” com produtores rurais.

Apesar do discurso do governo de que não houve enfraquecimento nas leis de proteção ambiental, a gestão Bolsonaro tem apoiado propostas de mudanças legislativas que, se aprovadas, podem gerar mais desmatamento, segundo especialistas.

É o caso dos Projetos de Lei 510/2021 e 2633/2020, que hoje tramitam no Congresso e facilitariam a regularização de terras públicas desmatadas ilegalmente.

Suíça e Austrália se opõem a mais ajuda a países pobres

Um número significativo de comentários da Suíça é direcionado a emendar partes do relatório que argumentam que os países em desenvolvimento precisarão de apoio, principalmente financeiro, dos países ricos para cumprir as metas de redução de emissões.

Foi acordado na conferência do clima em Copenhague em 2009 que as nações desenvolvidas forneceriam US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento até 2020, uma meta que ainda não foi cumprida

A Austrália apresenta argumentos semelhantes aos da Suíça – afirma que nem todas as promessas climáticas de países em desenvolvimento dependem de receber apoio financeiro externo. O governo australiano também classifica de “comentário subjetivo” uma menção no rascunho do relatório à falta de compromissos públicos confiáveis ​​sobre financiamento a nações em desenvolvimento.

O Escritório Federal Suíço para o Meio Ambiente disse à BBC: “Embora o financiamento do clima seja uma ferramenta crítica para aumentar a ambição climática, não é a única ferramenta relevante.”

“A Suíça considera que todas as Partes do Acordo de Paris com capacidade para fazê-lo devem fornecer apoio àqueles que precisam desse apoio.”

Combustíveis fósseis

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Legenda da foto,Em comentários ao relatório do IPCC, países querem reduzir mais lentamente do que o proposto a dependência em combustíveis fósseis

Os documentos obtidos pela BBC mostram diversas organizações e países argumentando que o mundo não precisa reduzir a dependência em combustíveis fósseis tão rapidamente quanto o recomendado pelo IPCC.

Um assessor do Ministério do Petróleo da Arábia Saudita exige que “frases como ‘a necessidade de ações urgentes e aceleradas de mitigação em todas as escalas …’ sejam eliminadas do relatório”.

Um alto funcionário do governo australiano rejeita a conclusão de que o fechamento de usinas termelétricas a carvão é necessário, embora acabar com o uso do carvão seja um dos objetivos declarados da conferência COP26.

A Arábia Saudita é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e a Austrália é um grande exportador de carvão.

Um cientista sênior do Instituto Central de Pesquisa de Mineração e Combustível da Índia, que tem fortes ligações com o governo indiano, alerta que o carvão provavelmente continuará sendo o esteio da produção de energia por décadas por causa do que ele descreve como os “tremendos desafios” de fornecer eletricidade acessível. A Índia já é o segundo maior consumidor mundial de carvão.

Defesa de tecnologias de captura de carbono

Vários países argumentam a favor de tecnologias emergentes e atualmente caras, projetadas para capturar e armazenar permanentemente dióxido de carbono no subsolo. Arábia Saudita, China, Austrália e Japão – todos grandes produtores ou usuários de combustíveis fósseis – assim como a organização de nações produtoras de petróleo, Opep, todos apóiam a captura e armazenamento de carbono (CCS).

Alegam que essas tecnologias CCS podem reduzir drasticamente as emissões de combustíveis fósseis de usinas de energia e alguns setores industriais.

A Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, pede aos cientistas da ONU que excluam sua conclusão de que “o foco dos esforços de descarbonização no setor de sistemas de energia deve ser a rápida mudança para fontes de carbono zero e a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”.

Argentina, Noruega e Opep também questionam a declaração. A Noruega argumenta que os cientistas da ONU devem permitir a possibilidade de CCS como uma ferramenta potencial para reduzir as emissões de combustíveis fósseis.

O relatório preliminar aceita que o CCS pode desempenhar um papel no futuro, mas diz que há incertezas sobre sua viabilidade. O documento diz que “há grande ambiguidade sobre em que medida os combustíveis fósseis com CCS seriam compatíveis com as metas 2°C e 1,5°C”, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris.

A Austrália pede aos cientistas do IPCC que excluam uma referência à análise do papel desempenhado pelos lobistas dos combustíveis fósseis em amenizar as ações sobre o clima na Austrália e nos Estados Unidos. A Opep também pede ao IPCC que “elimine” essa frase do relatório preliminar: “o ativismo de lobby, que protege os modelos de negócios de extrativistas, impede a ação política”.

Quando abordada sobre seus comentários ao relatório preliminar, a Opep disse à BBC: “O desafio de lidar com as emissões tem muitos caminhos, como evidenciado pelo relatório do IPCC, e precisamos explorar todos eles. Precisamos utilizar todas as energias disponíveis, também como soluções tecnológicas limpas e mais eficientes para ajudar a reduzir as emissões, garantindo que ninguém seja deixado para trás. “

Getty Images - Países produtores de tecnologia de captura de carbono, como a Noruega, querem maior ênfase no papel desses processos para combater mudanças climáticas
Getty Images – Países produtores de tecnologia de captura de carbono, como a Noruega, querem maior ênfase no papel desses processos para combater mudanças climáticas

O IPCC afirma que os comentários dos governos são fundamentais para seu processo de revisão científica e que seus autores não têm obrigação de incorporá-los aos relatórios.

“Nossos processos são projetados para proteger contra lobby”, disse o IPCC à BBC. “O processo de revisão é (e sempre foi) absolutamente fundamental para o trabalho do IPCC e é uma fonte importante da força e credibilidade de nossos relatórios.”

*Com reportagem de Justin Rowlatt e Tom Gerken

Planos de produção de  combustíveis fósseis, inclusive do Brasil , estão perigosamente fora  de sincronia com os  limites acordados em Paris

Planos de produção de combustíveis fósseis, inclusive do Brasil , estão perigosamente fora de sincronia com os limites acordados em Paris

Relatório de especialistas denuncia discrepância entre planejamento de produção de combustíveis fósseis em vários países, inclusive o Brasil, e os limites acordados em Paris.

“Planos de produção de combustível fóssil dos governos estão perigosamente fora de sincronia com os limites acordados em Paris”

20 de outubro de 2021 – O relatório The 2021 Production Gap Report publicado por grandes institutos de pesquisa e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – UN Environment Programme (UNEP), conclui que, apesar do aumento das ambições climáticas e compromissos net-zero, os governos ainda planejam produzir mais do que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis em 2030 do que o que seria consistente com a limitação do aquecimento global a 1,5 ° C.

O relatório, lançado pela primeira vez em 2019, mede a lacuna entre a produção planejada dos governos de carvão, petróleo e gás e os níveis de produção globais consistentes com o cumprimento dos limites de temperatura do Acordo de Paris. Dois anos depois, o relatório de 2021 constata que a lacuna de produção praticamente não mudou.

Nas próximas duas décadas, os governos estão projetando coletivamente um aumento na produção global de petróleo e gás e apenas uma redução modesta na produção de carvão. Tomados em conjunto, seus planos projetam a produção total de combustível fóssil global aumentando até pelo menos 2040, criando uma discrepância de produção cada vez maior.

“Os impactos devastadores das mudanças climáticas estão aqui para que todos possam ver. Ainda há tempo para limitar o aquecimento de longo prazo a 1,5 ° C, mas essa janela de oportunidade está se fechando rapidamente ”, disse Inger Andersen, Diretor Executivo do UNEP. “Na COP26 e além, os governos do mundo devem intensificar, tomando medidas rápidas e imediatas para fechar a lacuna na produção de combustíveis fósseis e garantir uma transição justa e equitativa. Isso é ambição climática.”

O 2021 Production Gap Report fornece perfis de países para 15 grandes produtores: Austrália, Brasil, Canadá, China, Alemanha, Índia, Indonésia, México, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e os Estados Unidos. Os perfis dos países mostram que a maioria desses governos continua a fornecer apoio político significativo para a produção de combustíveis fósseis.

“A pesquisa é clara: a produção global de carvão, petróleo e gás deve começar a declinar imediatamente e abruptamente para ser consistente com a limitação do aquecimento de longo prazo a 1,5 ° C”, disse Ploy Achakulwisut, principal autor do relatório e cientista da SEI. “No entanto, os governos continuam planejando e apoiando níveis de produção de combustível fóssil que excedem em muito o que podemos queimar com segurança”.

As principais conclusões do relatório incluem:

  • Os governos mundiais planejam produzir cerca de 110% a mais de combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5 ° C, e 45% a mais do que consistente com 2 ° C. O tamanho da lacuna de produção permaneceu praticamente inalterada em comparação com nossas avaliações anteriores.
  • Os planos e projeções de produção dos governos levariam a cerca de 240% a mais de carvão, 57% a mais de petróleo e 71% a mais de gás em 2030 do que o que seria consistente com a limitação do aquecimento global a 1,5 ° C.
  • A produção global de gás está projetada para aumentar ao máximo entre 2020 e 2040 com base nos planos dos governos. Essa expansão global contínua e de longo prazo na produção de gás é inconsistente com os limites de temperatura do Acordo de Paris.
  • Os países direcionaram mais de US $ 300 bilhões em novos fundos para atividades de combustíveis fósseis desde o início da pandemia COVID-19 – mais do que direcionaram para energia limpa.
  • Em contraste , o financiamento público internacional para a produção de combustíveis fósseis dos países do G20 e dos principais bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs) diminuiu significativamente nos últimos anos; um terço dos MDBs e instituições financeiras de desenvolvimento (DFIs) do G20, por tamanho de ativo, adotaram políticas que excluem atividades de produção de combustível fóssil de financiamento futuro.
  • Informações verificáveis ​​e comparáveis ​​sobre a produção e o apoio de combustíveis fósseis – tanto de governos quanto de empresas – são essenciais para lidar com a lacuna de produção.

“Os primeiros esforços das instituições financeiras de desenvolvimento para cortar o apoio internacional à produção de combustível fóssil são encorajadores, mas essas mudanças precisam ser seguidas por políticas de exclusão de combustível fóssil concretas e ambiciosas para limitar o aquecimento global a 1,5 ° C”, disse Lucile Dufour, Conselheira de Política Sênior no Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD).

“As nações produtoras de combustíveis fósseis devem reconhecer seu papel e responsabilidade em fechar a lacuna de produção e nos conduzir a um futuro com clima seguro”, disse Måns Nilsson, diretor executivo da SEI. “À medida que os países se comprometem cada vez mais com as emissões net-zero até meados do século, eles também precisam reconhecer a rápida redução na produção de combustíveis fósseis que suas metas climáticas exigirão”.

O relatório é produzido pelo Stockholm Environment Institute (SEI), International Institute for Sustainable Development (IISD), Overseas Development Institute (ODI), E3G e UNEP. Mais de 40 pesquisadores contribuíram para a análise e revisão, abrangendo várias universidades, grupos de reflexão e outras organizações de pesquisa.

Reações ao Relatório de Lacunas de Produção de 2020

“Os anúncios recentes das maiores economias do mundo para acabar com o financiamento internacional do carvão são um passo muito necessário para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Mas, como este relatório mostra claramente, ainda há um longo caminho a percorrer para um futuro de energia limpa. É urgente que todos os financiadores públicos, bem como privados, incluindo bancos comerciais e gestores de ativos, mudem seu financiamento do carvão para energias renováveis ​​para promover a descarbonização total do setor de energia e acesso a energia renovável para todos. ” diz António Guterres , Secretário-Geral da ONU.

“Este relatório mostra, mais uma vez, uma verdade simples, mas poderosa: precisamos parar de bombear petróleo e gás do solo se quisermos cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Devemos cortar com as duas mãos da tesoura, abordando a demanda e a oferta de combustíveis fósseis simultaneamente. É por isso que, junto com a Dinamarca, estamos liderando a criação da Beyond Oil and Gas Alliance para pôr fim à expansão da extração de combustíveis fósseis, planejar uma transição justa para os trabalhadores e começar a reduzir a produção existente de forma gerenciada. ” diz Andrea Meza, Ministra do Meio Ambiente e Energia da Costa Rica.

“O Relatório de Lacunas de Produção de 2021 mais uma vez demonstra em termos inequívocos que precisamos de reduções significativas na produção de combustíveis fósseis se quisermos atingir as metas do Acordo de Paris. Em resposta, a Dinamarca tomou a decisão de cancelar todas as futuras rodadas de licenciamento de petróleo e gás e eliminar completamente nossa produção até 2050. Com a Costa Rica, encorajamos todos os governos a tomarem medidas semelhantes e se juntarem à Beyond Oil and Gas Alliance para promover um gerido e simplesmente eliminado da produção de combustível fóssil. ” Dan Jørgensen, Ministro do Clima, Energia e Serviços Públicos, Dinamarca.